Uma vez, numa oficina de palhaçaria, uma amiga de curso falou para mim assim:

“Admiro a sua coragem!”

Sabia que era por conta da minha trajetória como palhaço e com as experiências da rua. Estávamos nesse contexto. Respondi para ela na sequência: “Eu não sou corajoso. Na verdade, sou muito medroso. Aí percebi que se eu não fizesse as coisas que tenho medo, não faria nada. E acabo fazendo coisas que as pessoas acham 'ser de coragem'”.

Entãocomecei a refletir mais sobre o meu oposto da coragem, o medo. Percebi que muitas e muitos artistas que admiro, e até mesmo quem não têm uma trajetória dentro do ofício artístico, falam de alguma forma sobre o medo em algum [determinadomomento de suas carreiras artísticas. O mais incrível disso, os medos mudam. Transitam de acordo com nosso estágio de vida. E sempre estão por aí. (Socueeeerro!) 

É que se expor assusta, não é?! Principalmente se colocar na rua, na linha de frente do incerto sobre sua apresentação. Pode não parar ninguém, pode ser ruim. Mas pior: pode nem ser. 

Já ouvi diversas histórias de pessoas que escolheram um local, foram até lá com todas as coisas para se apresentarem e não apresentaram

Sou uma delas. o/ Posso contar alguns episódios que passei e, talvez, ainda passe de novo.  
Mesmo no meio artístico existe uma certa cara feia sobre essa ocupação dos espaços públicos. Apesar de ser algo velado. O problema não é a coitada da praça. Se você viajar para a Europa, qualquer praça, pode ser considerada por muitas pessoas como uma ascensão social. É assim, né?! Nosso pensamento foi moldado pelos colonizadores. (Mas isso é assunto para o próximo post.)
Sobre a rua, ainda temos muito para conversar. Mas lembrei, agora, de duas experiências de enfrentamento para furar o que eu comecei a chamar de “bolha do medo”.
No outro dia, fui de novo. Estava quase desistindo e com pouco tempo. Então, resolvi que aquele seria o dia! Estava com o banjo e, quando fui montar o microfone, percebi que ele não estava lá. Esqueci em casa! 
Já estava ali e seria muito frustrante voltar para casa de novo. Além do que, depois daria muito trabalho para chegar ali de novo, se eu voltasse desse estágio. Então, resolvi tocar uns chorinhos. Instrumental. O lugar que escolhi não era bom, o horário também não e não entrou para as melhores experiências que tive na rua. Só que eu furei a bolha. 
Ganhar mais ou menos dinheiro é questão de aprimorar, aprender os bons lugares, bons horários, estudar o instrumento que você vai tocar e também levar todo o equipamento que você pensou em levar. =)
Quando vi a roda estava muito maior do que eu imaginava. E, inclusive, crianças que estavam em uma excursão (!) colocaram dinheiro no chapéu. Aqui as minhas expectativas foram superadas. Mas isso não importa, o que importa é ir. Se jogar mesmo. Igual pular na piscina gelada. Depois não dá vontade de sair. <3
Reflito muito sobre isso e vejo que não é só sobre dinheiro não. É também sobre a resposta da pergunta: “está trabalhando com o quê?” Muitas vezes é bonito falar, literalmente, da boca para fora. E quando você olha para dentro? Está feliz com suas escolhas?
Estamos organizando idas aos parques da cidade de São Paulo, ou em outras cidades, e fazemos espetáculos, pra depois rolar um piquenique e uma roda de conversa sobre o tema. Interessou?! Venha!!! Porque, às vezes, eu também preciso de um empurrãozinho para pular na piscina fria. Tibuuuum!

Percebi que o conselho melhor para isso é: MARQUE UM DIA COM VOCÊ. Peça auxílio de uma amiga, um amigo ou grupo, se precisar. Marque, de fato,um compromisso. Não saia na noite anterior! (Importante não se sabotar!). Pense nesse compromisso que você está fazendo com você, como um trabalho contratado. Pela melhor empresa, a sua! 

(Se você leu esse texto até aqui, provavelmente faz parte do grupo de pessoas que já fez algum evento furado com um cachê sem vergonha. Eu garanto, a experiência de trabalhar autonomamente assim será mais recompensadora: financeira e intelectualmente.)

Mande embora (passear mesmo!) pensamentos como: “E se alguém passar aqui bem na hora que estiver numa situação constrangedora” ou então “se alguém do trabalho pensar que blá blá blá............................." (Insira aqui qualquer frase sem sentido relacionada a outras pessoas e não a você!). 

Acredite, vai ser bem difícil isso acontecer e, se acontecer, será nada mais que uma boa piada para a próxima pessoa que você encontrar. Aí você ri junto com ela (e ainda vai achar que foi lindo!) Tudo bem, se você não conseguir eliminar esses pensamentos, vai com eles! No fim das contas, isso também é lidar com o medo. 

Hoje em dia, atuo mais em duas frentes de trabalho na rua: o palhaço que faz espetáculos em parques e praças e como músico, com um grupo chamado Bloco Unidos do Swing, com outras amigas ou amigos ou sozinho. 

A bolha é basicamente uma coisa que você não vê que está em volta de você, mas é o que não te deixa sair de casa para realizar alguns planos. Furar essa bolha é o fato de IR. Não importa se a experiência foi boa ou ruim, Importa IR! Porque se você vai, bom ou ruim, é questão de ter amigas e amigos otimistas ou pessimistas para comentarem o que aconteceu. PROCURE AS OTIMISTAS NESSE PRIMEIRO MOMENTO. Depois, contrarie os pessimistas quando tiver bons argumentos.

Como disse, em grupo é mais tranquilo. Mas aqui já estou falando sobre a minha decisão de ter autonomia e também conseguir ir sozinho.

O primeiro que vou contar é quando fui tocar na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo, pela primeira vez. Fui até aquela calçada cheia de gente um dia, e não fiz. Tomei um café e voltei pra casa.

A segunda experiência é sobre apresentar-se nos parques. Daquela vez, o parque era novo, nunca tinha me apresentado ali. Então demorei a sair de casa, e cheguei no parque tarde. O horário era ruim. Decidi, então, que faria um número, para novamente, não ter perdido a viagem (e depois ser mais difícil ainda de sair de casa.) 

Aí você pode pensar alguns problemas: “Ah mas eu não tenho um espetáculo”, “Mas eu não sei tocar nada bem”. Claro, que isso é um: BOICOTE. A autonomia não nos é ensinada. Fomos educadas e educados pelos patrões para continuar achando mais digno entrar em um trabalho que você não gosta e ser chefiado por alguém que você não acredita ter capacidade para isso. Maaaas isso pode dar uma “segurança”. 

Vai e faz um número. Toque só uma música. Junte com amigas e amigos, e toque mais três. Ou, então, façam um espetáculo de pequenas cenas. Mas vai!E sobre ir, se você chegou até aqui, escreva para contato@exercitocontranada.com.br